Ainda me lembro de que, na minha primeira infância, todas as noites, minha mãe colocava meu irmão e eu para dormir e, antes de cerrar os nossos olhos, com um doce beijo na testa, abria a sua bíblia e lia um salmo para nós. Na sua simplicidade que muitas vezes tropeçava nas palavras, nos ensinava sobre a sacralidade daquele momento: nós, crianças pequenas deitadas e cobertas no conforto das nossas “caminhas”, e ela, de joelhos, nos mostrava que aquele “livro” era especial. Após a leitura, ela juntava as nossas mãos e nos levava a agradecer a Deus, que era o nosso “Papai do Céu”.
Aos domingos, ela e meu pai nos levavam pelas mãos à igreja, na missa das 10 horas, preparada especialmente para as crianças. No dia anterior, ela passava a roupa de passeio e a pendurava na porta do guarda-roupa, como se anunciasse que, no dia seguinte, haveria um grande evento. Então, descíamos a rua até a igreja com a alegria de uma criança que vai para uma festa, segura, na presença dos pais. A lembrança é tão viva em minha memória que consigo até sentir os cheiros e ver as imagens do caminho e da paróquia que eu frequentava. Durante a celebração, eu olhava para eles com olhar de aprendiz, copiando seus gestos e suas palavras, respeitando, mesmo sem entender ainda, os ritos e a importância daquele momento solene.
Além dessas, guardo em minha memória muitas outras recordações desses momentos em família, os quais me conduziram como um farol na construção da minha caminhada espiritual e religiosa.
Digo isso para pensarmos no seguinte propósito: Deus quis ter família. Ele quis ter laços sanguíneos e estar em um agrupamento de pessoas, mas, mais do que isso, Deus, na presença de Jesus, quis ser cuidado, se construir e vivenciar as experiências terrenas no seio de uma família. Ele quis estar no lugar privilegiado da construção do ser e, com as pessoas, quis estabelecer comunhão.
Foi no seio da sua família que Jesus foi ensinado pelos pais a falar e rezar suas primeiras orações, foi sob os olhares de Maria e José que Ele tomou consciência e se reconheceu como filho de Deus; foi com seus pais que Ele aprendeu a cuidar das pessoas ao seu redor e, assim, caminhar para o seu propósito.
Nós, assim como Jesus, aprendemos a exercer as ações com nossos responsáveis, e isso se dá primordialmente por meio da imitação. É copiando as ações realizadas pela família que a criança, na interação entre o sujeito e o modelo, ingressa no seu processo de pertencimento e imersão no mundo.
A construção da espiritualidade não é diferente; é vivenciando a busca pelo significado da vida em família que a criança edifica a sua própria procura, e esse processo contribui para a sua formação humana e para a construção da sua personalidade.
Os pais e avós são os primeiros modelos espirituais para os filhos e netos e são eles que ensinam o que é Sagrado para os mais novos: pequenos rituais, cuidado com a natureza e com os outros, amor pela família, respeito pelos mais velhos ou outra coisa que tenha um sentido mais profundo.
Juntamente com o Sagrado que vai sendo construído a partir das experiências com a religiosidade, a criança também se aproxima de sentimentos ligados à empatia, ao respeito, ao altruísmo, à gratidão, à fraternidade, à compaixão e ao amor.
Estudos apontam para a relação entre a frequência das atividades espirituais desde a infância e a diminuição do comportamento de risco, ligado ao uso de drogas e violência entre os jovens. Adolescentes engajados em alguma atividade religiosa ou envolvidos com a espiritualidade tendem a dispender maior atenção com o autocuidado e o bem-estar próprio.
Por isso, é necessário, cada dia mais, que as famílias criem estratégias para que as crianças e os jovens possam descobrir como dar sentido à própria existência, principalmente na atual conjuntura social, caracterizada pela procura do benefício imediato, que muitas vezes nos impede de ver a beleza por trás do esforço da busca e da espera confiantes do cuidado e do amor de Deus por cada um de nós.
Algumas ações concretas podem auxiliar as famílias na construção da espiritualidade de seus filhos. Veja algumas sugestões a seguir:
- Proporcione momentos em família de vivência da espiritualidade: Conte ou leia histórias sagradas, faça orações em momentos que todos estejam reunidos, sejam eles especiais, como datas festivas, ou em eventos cotidianos;
- Ensine-os a vivenciar de forma espontânea a espiritualidade, agradecendo os detalhes do dia a dia. Por exemplo, no caminho para a escola, façam o exercício de gratidão por estar com saúde, por ter como se locomover, por poder contemplar a beleza do céu ou ouvir uma bela música;
- Ensine que Deus é simples e que a oração é uma das formas de se comunicar com Ele. Por isso, nossa prece deve ser como uma conversa com um amigo e não precisa de palavras rebuscadas para ser ouvida, pelo contrário, Ele quer de nós exatamente aquilo que somos.
- Acolha as dúvidas dos filhos em relação à espiritualidade e à religiosidade sempre com amor e os instigue a pesquisar sobre suas inquietações, permitindo, assim, que conheçam a Deus e as religiões;
- Proporcione às crianças e aos adolescentes vivenciarem momentos coletivos com os pares de idade em grupos ligados à igreja, para que experimentem, de uma maneira jovem, a prática da espiritualidade;
- Valorize e celebre as datas e os eventos sagrados de sua religião, como o Batismo, o Natal, a Páscoa, a Primeira Eucaristia, a Crisma, etc.;
- Promova e apoie ações solidárias como campanhas e doações para pessoas e instituições carentes, a fim de valorizar a fraternidade como uma forma de amar o próximo;
- Mostre aos filhos que a vivência da espiritualidade não é algo ultrapassado, mas sim uma ferramenta que dá sentido à vida, que pode ser divertida e também uma eficaz forma de se conectar consigo, com o outro e com Deus.
Por fim, pedimos à Sagrada Família que nos ensine, como pais, a revelar aos nossos filhos o maravilhoso amor de Deus por cada um de nós, para que eles tenham a certeza de que são cuidados e queridos por Aquele que nos escolheu como filhos e filhas.